A presença do crime organizado nas instituições latinoamericanas


O poder do crime organizado na América Latina — cartéis de drogas, grupos de tráfico de pessoas e crime transnacional — expandiu-se significativamente nas últimas décadas, segundo pesquisadores. De ligado principalmente ao tráfico de drogas, tornou-se um ator político e social com a capacidade de se infiltrar em instituições estatais, controlar e até mesmo alterar processos democráticos. 
Mas esse fenômeno não é novo, explicou Steven Dudley, cofundador e diretor do centro de pesquisa InSight Crime, à DW: "Essas são formas de corrupção que existem porque as elites tradicionais do poder não têm interesse em criar estruturas para regular rigorosamente as instituições, com medo de que suas atividades sejam monitoradas." De acordo com Iván Briscoe, Diretor de Políticas do International Crisis Group (ICG), o objetivo do crime organizado continua sendo extrair o maior lucro econômico possível, "aproveitando a porosidade do Estado em relação a interesses privados e explorando redes privadas de corrupção, tráfico de influência e nepotismo."

Métodos de Infiltração do Crime Organizado


Como essas redes criminosas operam? "O crime organizado se apropria do tecido econômico para usar empresas legais como infraestrutura de produção e distribuição, e o sistema político permite que ele dependa da proteção de seus mercados para continuar a distribuição por meio de corrupção e lavagem de dinheiro", afirma o pesquisador e acadêmico Edgardo Buscaglia, diretor do Centro de Direito Internacional e Desenvolvimento Econômico. 
"Esse fenômeno está aumentando devido a uma maior apropriação do tecido político e social, pois, ao mesmo tempo, os índices de desenvolvimento humano estão em declínio, o que alimenta os níveis de renda do crime organizado", enfatiza Buscaglia, autora de uma dúzia de livros sobre o assunto. Por sua vez, Sandra Pellegrini, analista da Armed Conflict Location and Event Data (ACLED), que investiga a violência contra atores políticos na região, disse à DW que "esses grupos têm várias estratégias para se infiltrar na administração pública, nos círculos de poder e nos processos de tomada de decisão, mas essas estratégias são pouco visíveis e muito difíceis de mensurar, especialmente se a capacidade investigativa de cada país for fraca". "As relações entre o Executivo e o Legislativo são parte fundamental dos maiores casos de corrupção das últimas duas décadas, que ocorreram no Brasil, com os que envolveram a Petrobras e a Odebrecht, e lá o crime organizado não foi responsável por todos os atos de corrupção", esclarece Briscoe. "Mas se houver canais de corrupção e tráfico de influência, o crime organizado geralmente também estará presente." O especialista também destaca as diferenças entre governos autocráticos e regimes ditatoriais, e sistemas democráticos. "Nas democracias, o clientelismo criminoso não atinge os extremos encontrados em sistemas ditatoriais", enfatiza. E exemplifica com o caso da Venezuela.


"A Venezuela é um dos países onde vemos os acordos mais fortes entre o crime organizado e a política. Há evidências de ações judiciais nos EUA contra os vínculos dos cartéis de drogas com os militares e o governo de Nicolás Maduro, e também de conexões entre os militares e a mineração ilegal no sul do país", afirma Briscoe.

A Colômbia tem maior capacidade de combater o crime organizado, contrasta Buscaglia. Mas os grupos criminosos "se fragmentaram, gerando violência crescente". No entanto, "na Colômbia, a violência é mais política do que gerada pelo crime organizado", enfatiza, referindo-se ao ataque ao candidato presidencial Miguel Uribe Turbay.


A forma mais comum de infiltração política por organizações criminosas é por meio do financiamento de campanhas eleitorais, segundo pesquisadores. "O pagamento de propina em troca de proteção, por exemplo, em rotas de tráfico de drogas, é incentivado", explica Pellegrini. "Esses grupos também oferecem segurança privada ou mobilização de eleitores, algo muito claro no caso do Haiti." Isso também pode ser observado no México durante as fases de transição democrática, diz Briscoe: "Eles se aproveitam da fragmentação do Estado para atingir pontos fracos, onde podem explorar a corrupção e a cumplicidade para criar espaços para seus negócios", pondera. "No caso do México, é o famoso 'Plata o plomo' (Prata ou Chumbo) para corromper prefeitos, juízes e promotores." "Por meio da corrupção política, eles controlam os juízes, exigindo que não haja progresso na investigação de um caso específico em que uma empresa amiga financiou sua campanha eleitoral. E alguns juízes, geralmente dependentes de políticos, obedecem", observa Buscaglia. Para Steven Dudley, "esses grupos não enfraquecem as instituições, se Não que estas já estivessem enfraquecidas, e o Estado não responde às necessidades da população, mas sim às desses grupos criminosos. É um sistema predatório em que ninguém mais confia, e isso é como uma profecia autorrealizável." "Na América Latina — com exceções como Chile ou Colômbia — os fundos de campanha raramente são auditados. Não há auditorias no México ou na Argentina. Isso significa que a política continua sendo um canal de proteção para as atividades mafiosas desses grupos", aponta Buscaglia. 
Por sua vez, Sandra Pellegrini, pesquisadora do ACLED, também destaca que "a coerção violenta não apenas dissuade os candidatos, que desistem das campanhas, como também reduz a participação em áreas de alta violência". “Dinheiro sujo em campanhas eleitorais no México ou na Colômbia, por exemplo, anda de mãos dadas com poderes locais autoritários nos chamados enclaves políticos, governados por famílias ou clãs onde políticos cooperam com organizações criminosas”, observa Briscoe, do ICG. Ela lista casos notáveis ​​na costa atlântica da Colômbia e no departamento de Petén, na Guatemala. Sandra Pellegrini lembra que há vínculos comprovados entre grupos criminosos e autoridades policiais em vários países, como México, Honduras, El Salvador e Equador. Para ela, “é importante tornar visíveis os atos de violência contra políticos” para combater o poder desses grupos. Criminosos.


Quais estratégias poderiam interromper essa tendência? “Ação transparente por parte de comissões parlamentares de inquérito”, explica Briscoe. “Um sistema de auditoria das ações públicas e, dentro do sistema judicial, da persecução de crimes, que fortalece a justiça.” Ele lembra a Comissão Internacional contra a Impunidade (CICIG) na Guatemala, que tentou limpar o Estado de interesses criminosos e corruptos e promover reformas legais. “As pessoas recorrem ao crime organizado como forma de sobrevivência "mecanismo", enfatiza Buscaglia. "Os indicadores de desenvolvimento estão em colapso na América Latina. Quando o Estado falha em garantir os direitos humanos fundamentais, ele alimenta o crime organizado", conclui.

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